sexta-feira, 16 de março de 2012

ROSE, A CONTADEIRA DE HISTORIETAS DA VIDA REAL

PALESTRANDO


Teve aquela vez em que eu fui convidada a falar para a calourada de letras de uma universidade. Era para ser uma mesa, mas, muito apropriadamente tendo sido desfeitos os misancenes formais, nos posicionamos, nós, palestrantes, bem descontraidamente com estudantes recém ingressos na universidade.

Muito pacientemente ouviram sobre os Diretórios Acadêmicos, sobre procedimentos acadêmicos de bibliotecas e tudo o mais que faz acontecer a vida acadêmica. Depois fomos apresentados, nós, os docentes, aqueles guardiões do saber e da possibilidade da transformação de estudantes adolescentes em profissionais adultos, conforme reza a lenda popular. Os olhinhos brilhando, recém chegados àquele lugar, depois de tanta expectativa! Depois de tanto estudar e provas vestibulares e sonhos de uma profissão de ingresso na vida adulta e produtiva...

Começa a falar a professora da casa, subvertendo as regras de boa educação que, dizem que devemos dar prioridade aos convidados. Tudo bem, regras são regras, estão aí para serem postas por terra. A encomenda da fala era para apresentar aos ingressos, futuros profissionais daquela área, as perspectivas de emprego, de atuação no mercado, de inserção na vida profissional.

Inicia-se a fala da professora doutora, concursada daquele espaço universitário:

- Fiz uma pesquisa procurando a maior quantidade de possibilidades, recorri ao Google, vocês têm muitas caminhos a seguir...

E desfolhou as possibilidades encontradas em sua pesquisa, com as ressalvas:

- Para se engajar em muitas dessas, vai depender de sua rede de amizades, mas para a maioria, você não precisa desse curso...

Para tudo! ãh? Eles não precisarão do curso ao qual eles acabam de ingressar!?? Depois de árduo esforço!? Bem. O melhor estava por vir.
Jogada a primeira bomba, olhinhos atentos, lá vai outra:

- Neguinho (palavra baiana para designar o empregador) vai tirar seu couro (expressão baiana para dizer que vão fazer você trabalhar muito) e você vai ganhar uma merreca (de novo, palavra baiana para indicar baixos salários).

E assim é descrita a profissão para a qual serão preparados por oito semestres... na qual investirão tempo, dinheiro e expectativas. Balde de água fria despejado, eu me coçando para discordar, ainda vem mais, na sequência:

- A menos que você tenha a sorte de casar com alguém com uma profissão melhor remunerada como eu tive a sorte de fazer, aí vai ter uma vida tranquila.

Isso foi dito a despeito de anteriormente ter sido confessado que ela mesma já havia passado por quase todas aquelas situações empregatícias anteriormente citadas. A despeito de toda uma discussão que aquela mesma universidade levanta, engajada em discussões já, agora, secular, sobre o papel social e político da mulher na sociedade e na produção tecno-intelectual e cultural.
 
Não sei a calourada, não tive coragem de conferir, não fui capaz de olhar para os olhinhos atentos, mas eu estava estupefata! Dá para contestar isso? Deixa quieto (expressão baiana para: vamos mudar de assunto porque esse já deu o que tinha que dar!).

Disparada a sua verbobelicosidade, a conceituada profissional se retira e deixa lá (no limbo) as convidadas. Sou a próxima. Lá vou eu, pessoa que sempre viveu da profissão que abraçou, muito carinhosamente diga-se de passagem, com certa independência e tendo construído patrimônio e família, contanto com os resultados do próprio trabalho, apresento meus argumentos na esperança débil de, quem sabe, atingir com a minha alegria em ensinar o amor pela profissão e, quem sabe, fisgar uns corações.


Coisas da educação no meu país!

Um comentário:

Anônimo disse...

No recadinho acima, duas observações interessantes: não se esqueça da ética e do bom senso.

A historieta muito legal e bem verdadeira em nosso mundo contemporâneo. Professor... professor... professor... sinônimo de quarquer coisa. Uma pena! Pois como você sempre acreditei que a minha escolha em ser professora foi a mais importante escolha de vida que fiz.Será que não faltou na fala comentada as duas observações citadas acima?
Em relação ao assalto:a última observação, bom senso, passou por muito longe de você. Ou quem sabe nem passou... Infelizmente esses sujeitos que praticam assaltos parecem que não têm nada a perder e vão para o tudo ou nada. Felizmente a sua reação o surpreendeu. E a supresa é um dos elementos chave para o final feliz dos acontecimentos. Parabéns pela leveza da crônica! Bj, ME