domingo, 1 de novembro de 2009

A PEIA


Um artefato artesanal feito de tiras de sola ou de fibras de carirá que se faz para atar a pata traseira à pata dianteira, ou ainda as patas dianteiras uma a outra de um animal: cavalo, burro, jumento.

A peia impede o animal de se locomover normalmente e esse anda com dificuldade. Serve também para domar os chucros.

O meu avô Dindinho, além de fazendeiro, era também um bom artesão e trabalhava bem esses artefatos.

Além da peia, ele fazia cabresto e cangalha. Vivia na fazenda, lá no interior do sertão, onde o único meio de transporte e carga era feito no lombo das tropas de animais da fazenda para as cidades ou vilas mais distantes. Viagem de um ou dois dias com paradas para descanso e pernoite da tropa. Daí a necessidade da peia, para os animais permanecerem juntos e num raio bem próximo do acampamento.

Eu gostava muito de meus avós Dindinho e Dindinha. Vivi parte da minha infância e adolescência com eles e aprendi a respeitá-los, admirá-los pelos bons exemplos.

Viajava sempre com Dindinho para ajudar na condução da tropa.

Gostava de vovó Dindinha, ela era uma boa costureira. Quando tia Bia casou-se, vovó me fez um bonito terno para eu ir ao casamento.

Tenho muito boas recordações de minha avó. Um dia em que estávamos reunidos na sala, vovô, que não perdia tempo, estava trançando uma peia, vovó bem ao seu lado, costurando, Dindinho concluiu a peia trançada com fibra de carirá e, num gesto impulsivo pegou no braço de vovó, levantou a peia no ar e ameaçou bater nela... uma atitude banal, em tom de brincadeira!

Duas cenas ficaram gravadas na minha memória: uma brincadeira de levantar um instrumento de açoite em direção à vovó – fiquei anestesiado ao ver aquela atitude desrespeitosa e violenta; nem por brincadeira eu imaginaria tal ação! A outra foi a reação instantânea de vovó Dindinha que simplesmente disse: “Pode bater...” numa atitude de total submissão, mas, acima de tudo, numa atitude eletrizante de total confiança no seu esposo e na certeza de que ele jamais praticaria ou levaria a termo tal ameaça. Calma, tranquila, numa postura de submissão, ela olhou fixo nos olhos dele, como se estivesse dizendo: “Eu sou sua. Pode fazer o que quiser, mas faça com cuidado para não machucar a rainha do lar”. Tudo isso vovó transmitiu em pensamento, sem esboçar uma só palavra.

Vovô Dindinho foi abaixando a peia devagar até depositar no colo de vovó e disse:

- Izabel, acabo de ser peado com a peia do seu coração, serei o seu guardião enquanto repousar, estarei sempre perto de ti, onde estiveres, para te proteger, te amparar. Deus, o criador, nos uniu para todo o sempre. Estou peado!

A humildade é a maior virtude do ser humano, transforma o ódio em piedade, a estupidez em mansidão, o orgulho em caridade e harmonia.


João Pereira de Oliveira 1929 + 2006