A
PEIA
Um artefato artesanal
feito de tiras de sola ou de fibras de carirá que se faz para atar a pata
traseira à pata dianteira, ou ainda as patas dianteiras uma a outra de um
animal: cavalo, burro, jumento.
A peia impede o animal
de se locomover normalmente e esse anda com dificuldade. Serve também para
domar os chucros.
O meu avô Dindinho, além
de fazendeiro, era também um bom artesão e trabalhava bem esses artefatos.
Além da peia, ele fazia
cabresto e cangalha. Vivia na fazenda, lá no interior do sertão, onde o único
meio de transporte e carga era feito no lombo das tropas de animais da fazenda
para as cidades ou vilas mais distantes. Viagem de um ou dois dias com paradas
para descanso e pernoite da tropa. Daí a necessidade da peia, para os animais
permanecerem juntos e num raio bem próximo do acampamento.
Eu gostava muito de meus
avós Dindinho e Dindinha. Vivi parte da minha infância e adolescência com eles
e aprendi a respeitá-los, admirá-los pelos bons exemplos.
Viajava sempre com
Dindinho para ajudar na condução da tropa.
Gostava de vovó
Dindinha, ela era uma boa costureira. Quando tia Bia casou-se, vovó me fez um
bonito terno para eu ir ao casamento.
Tenho muito boas
recordações de minha avó. Um dia em que estávamos reunidos na sala, vovô, que
não perdia tempo, estava trançando uma peia, vovó bem ao seu lado, costurando,
Dindinho concluiu a peia trançada com fibra de carirá e, num gesto impulsivo
pegou no braço de vovó, levantou a peia no ar e ameaçou bater nela... uma
atitude banal, em tom de brincadeira!
Duas cenas ficaram
gravadas na minha memória: uma brincadeira de levantar um instrumento de açoite
em direção à vovó – fiquei anestesiado ao ver aquela atitude desrespeitosa e
violenta; nem por brincadeira eu imaginaria tal ação! A outra foi a reação
instantânea de vovó Dindinha que simplesmente disse: “Pode bater...” numa
atitude de total submissão, mas, acima de tudo, numa atitude eletrizante de
total confiança no seu esposo e na certeza de que ele jamais praticaria ou
levaria a termo tal ameaça. Calma, tranquila, numa postura de submissão, ela
olhou fixo nos olhos dele, como se estivesse dizendo: “Eu sou sua. Pode fazer o
que quiser, mas faça com cuidado para não machucar a rainha do lar”. Tudo isso
vovó transmitiu em pensamento, sem esboçar uma só palavra.
Vovô Dindinho foi
abaixando a peia devagar até depositar no colo de vovó e disse:
- Izabel, acabo de ser
peado com a peia do seu coração, serei o seu guardião enquanto repousar,
estarei sempre perto de ti, onde estiveres, para te proteger, te amparar. Deus,
o criador, nos uniu para todo o sempre. Estou peado!
A humildade é a maior
virtude do ser humano, transforma o ódio em piedade, a estupidez em mansidão, o
orgulho em caridade e harmonia.
João Pereira de Oliveira
1929 + 2006