segunda-feira, 18 de julho de 2011

50 MINUTOS


São sete e vinte de uma manhã de sol na capital baiana. Toca o sinal (estridente por sinal!). Vagarosamente estudantes entram na unidade escolar. Não têm pressa. Sabem que as portas das salas de aula estão fechadas, sabem que muitos ainda não chegaram e os que vêm, não apressam o passo. As salas estão fechadas, docentes estão nas salas (dos professores, de suas casas...). A única funcionária responsável por abrir as portas (as portas para o saber trancadas por fora, mas que podem ser abertas por dentro), não tem pressa, tem o seu tempo. Alguns minutos e docentes (os que já chegaram) entram nas salas morosamente.

Dez minutos depois do sinal e estudantes ainda chegam à unidade escolar. Um grupo de resistência reúne-se fora dos muros da escola, entretidos em trocas de saberes, de aprendizagens que não cabem no lado de dentro da instituição (ou cabem? Ou deveriam caber?). Outros entram na escola, mas não nas salas.

Uma estudante chama sua colega: “A professora está na sala.” Ela não se abala. A menina insiste: “Ela vai botar falta!” calmamente e com aparente má vontade, a colega se desloca. Vai para a sala? O mais importante: vai para a aula?

Sete horas e quarenta e cinco minutos, uma professora declara: “A aula já começou”. No melhor estilo da teoria dos atos de fala, ela realiza uma ação em seu dizer, pois, segundo a teoria defendida por Austin, dizer é transmitir informações, mas é também (e sobretudo) uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante. Assim, a aula começa a partir do ato de fala da professora: estudantes sentam-se e copiam algo no quadro em que a professora escreve algo.
O movimento de chegada ainda é grande e lento. Muitos entram na escola, mas não nas salas. Ficam pelos corredores.

O grupo de resistência, ainda na parte de fora da escola, é interpelado por um dos funcionários que sai de seu posto de porteiro. Ele tenta convencê-los a entrar, mas é desconsiderado.

Depois de vinte minutos de uma aula de cinquenta, o grupo de resistência entra na escola, juntamente com outros tantos que chegavam naquele momento. No entanto, o destino desse grupo não é a sala de aula, nem mesmo os corredores. Eles ocupam o lado de fora do prédio. Uma funcionária aproxima-se, conversa. Eles têm argumentos. Parecem desconhecer, desconsiderar autoridade, respeito à pessoa humana, variedade linguística e quando fazer uso dela. Faltaram a essa aula ou a aula foi que faltou?

Mesmo sem ouvir seus argumentos, percebe-se que são convincentes, pois em alguns minutos a funcionária sai. Parece que perdeu a batalha de levá-los para a aula. Estará ela convencida?

O tempo passa, tempo de aula.
Estudantes reúnem-se nos corredores, o grupo de resistência resiste.
Mais estudantes chegam...
Estão atrasados.
Estão atrasados?
A equipe de docente ainda não está toda presente. Uma professora entra numa sala depois de trinta minutos transcorrido de tempo de aula: “Eu não sou aqui?”, “Eu sou onde?”. Seu estudante quem lhe diz: “É na outra turma!”.
Estudantes pelos corredores, professores pelos corredores. E mais estudantes chegam devagar... vagarosamente.
O grupo de resistência vai para dentro do prédio, mas seu destino é o corredor. Corredor é mais interessante que a sala de aula.
Outro grupo de resistência se forma, agora um grupo de meninas. Docentes arrastam chinelos, outros estão nas salas e seus pupilos vão e vêm...
Na matemática da escola, há mais professores/professoras presentes que ausentes; mais estudantes nas salas de aula que fora dela. Mas o resultado dessa matemática não é equilibrado.
Mais um sinal. Burburinho nos corredores.
Mais estudantes chegando à escola e professores que não.
O tempo da escola é einsteniano, parece muito dependente do ponto de vista do observador.