domingo, 18 de março de 2012

ROSE, A CONTADEIRA DE HISTORIETAS DA VIDA REAL

       AH, MAS TEVE AQUELA DO ASSALTO!    


Essa foi épica! Digna de uma narrativa de Homero, de Virgílio, de Dante, de Camões. Se bem que está mais para Machado de Assis em O Alienista, ou Quincas Borba: “Ao vencedor, as batatas!”. Enfim, um dramalhão shakespeariano!

Lá vinha eu, rua deserta, um tanto clara, um tanto escura, à noite, sozinha, carregava em uma mão monografias à espera de um parecer cada uma. Na outra, segurava a bolsa como quem segura o salva vidas. Alvo fácil, diriam os mais apressados. Muito confiante para pouca munição, diriam os sensatos.

Um caminhão fazia sombra na calçada já com pouca iluminação. Passar pela calçada de cimento, atrás do caminhão ou passar pela rua de paralelepípedos, deserta, inclusive de carros, ressalve-se? Para qualquer pessoa com um mínimo de juízo: passar pela rua, ficar mais visível, claro! Ah, vou pela calçada mesmo que é mais fácil de andar com esse salto altíssimo do qual não abro mão em nenhuma situação (dá até samba a rimadinha).

Já quase tendo vencido o caminhão, eis que aparece uma bicicleta que para em derrapagem a minha frente. O alvo fácil, bem ali no cantinho escuro vai logo estendendo a mão: não venha não! Tentando engrossar a voz o mais possível. Mas ele foi. Puxou a bolsa. Ele de lá, eu de cá. Queda de braço ao estilo Indiana Jones, quando a antropóloga na Rússia gelada, depois de tomar mais um copo de vodka, vence no braço o fortão cossaco. Eu não venci na força, venci na persistência. Caímos por cima da bicicleta eu e ele. O rapaz de lá, tentando se manter em pé parecia puxar uma arma:

- Solte ou eu atiro!

Ora, o que faria qualquer pessoa em seu juízo perfeito em uma hora dessas? O que faria uma senhorinha nos saltos? O que faria uma mãe de família ao pensar nas filhas? Vão-se os anéis, ficam-se os dedos!

Desajuizadamente, a criatura aqui responde ao meliante que puxa a arma:

- Atire, pode atirar! Atire, vá!

Juízo na capa fixa do salto, vou tentando me levantar sem largar as monografias, sem largar a bolsa, mantendo a elegância, lutando contra a gravidade e sem atinar para a gravidade da situação. Ele negocia:

- Me dê só o celular! Resposta imediata:

- Não tem celular nenhum!

Bem, não será uma mentira se a gente analisa a frase como eu negando a ele a entrega do aparelho. Haviam dois na bolsa, com carregador e outras coisinhas mais.

Fico aqui imaginando a cara e os pensamentos do tal rapaz, pois levantei-me resoluta e pus-me a caminhar na direção de meu itinerário, sem mesmo olhar para trás, resmungando:

- Onde já se viu, querer roubar professor!

Ao chegar em casa, portão fechado, me dei conta do ocorrido: poderia ter levado um tiro, poderia ter sido agredida, poderia estar morta! Nasci naquele dia e espero ter mais juízo da próxima vez: vão-se os celulares, fica a vida!


sexta-feira, 16 de março de 2012

ROSE, A CONTADEIRA DE HISTORIETAS DA VIDA REAL

PALESTRANDO


Teve aquela vez em que eu fui convidada a falar para a calourada de letras de uma universidade. Era para ser uma mesa, mas, muito apropriadamente tendo sido desfeitos os misancenes formais, nos posicionamos, nós, palestrantes, bem descontraidamente com estudantes recém ingressos na universidade.

Muito pacientemente ouviram sobre os Diretórios Acadêmicos, sobre procedimentos acadêmicos de bibliotecas e tudo o mais que faz acontecer a vida acadêmica. Depois fomos apresentados, nós, os docentes, aqueles guardiões do saber e da possibilidade da transformação de estudantes adolescentes em profissionais adultos, conforme reza a lenda popular. Os olhinhos brilhando, recém chegados àquele lugar, depois de tanta expectativa! Depois de tanto estudar e provas vestibulares e sonhos de uma profissão de ingresso na vida adulta e produtiva...

Começa a falar a professora da casa, subvertendo as regras de boa educação que, dizem que devemos dar prioridade aos convidados. Tudo bem, regras são regras, estão aí para serem postas por terra. A encomenda da fala era para apresentar aos ingressos, futuros profissionais daquela área, as perspectivas de emprego, de atuação no mercado, de inserção na vida profissional.

Inicia-se a fala da professora doutora, concursada daquele espaço universitário:

- Fiz uma pesquisa procurando a maior quantidade de possibilidades, recorri ao Google, vocês têm muitas caminhos a seguir...

E desfolhou as possibilidades encontradas em sua pesquisa, com as ressalvas:

- Para se engajar em muitas dessas, vai depender de sua rede de amizades, mas para a maioria, você não precisa desse curso...

Para tudo! ãh? Eles não precisarão do curso ao qual eles acabam de ingressar!?? Depois de árduo esforço!? Bem. O melhor estava por vir.
Jogada a primeira bomba, olhinhos atentos, lá vai outra:

- Neguinho (palavra baiana para designar o empregador) vai tirar seu couro (expressão baiana para dizer que vão fazer você trabalhar muito) e você vai ganhar uma merreca (de novo, palavra baiana para indicar baixos salários).

E assim é descrita a profissão para a qual serão preparados por oito semestres... na qual investirão tempo, dinheiro e expectativas. Balde de água fria despejado, eu me coçando para discordar, ainda vem mais, na sequência:

- A menos que você tenha a sorte de casar com alguém com uma profissão melhor remunerada como eu tive a sorte de fazer, aí vai ter uma vida tranquila.

Isso foi dito a despeito de anteriormente ter sido confessado que ela mesma já havia passado por quase todas aquelas situações empregatícias anteriormente citadas. A despeito de toda uma discussão que aquela mesma universidade levanta, engajada em discussões já, agora, secular, sobre o papel social e político da mulher na sociedade e na produção tecno-intelectual e cultural.
 
Não sei a calourada, não tive coragem de conferir, não fui capaz de olhar para os olhinhos atentos, mas eu estava estupefata! Dá para contestar isso? Deixa quieto (expressão baiana para: vamos mudar de assunto porque esse já deu o que tinha que dar!).

Disparada a sua verbobelicosidade, a conceituada profissional se retira e deixa lá (no limbo) as convidadas. Sou a próxima. Lá vou eu, pessoa que sempre viveu da profissão que abraçou, muito carinhosamente diga-se de passagem, com certa independência e tendo construído patrimônio e família, contanto com os resultados do próprio trabalho, apresento meus argumentos na esperança débil de, quem sabe, atingir com a minha alegria em ensinar o amor pela profissão e, quem sabe, fisgar uns corações.


Coisas da educação no meu país!

quarta-feira, 7 de março de 2012

HOJE É DIA DA MULHER?


HOJE É DIA DA MULHER!


Bem, se hoje é dia da mulher, então é meu dia! Afinal, eu sou mulher, sou mãe, sou amiga, sou dona de casa, sou trabalhadora e batalhadora, mas hoje é meu dia mesmo, porque sou classe média, porque tenho poder aquisitivo, porque tenho acesso aos bens de consumo e a meus direitos.

Dona Almerinda[1] é mulher, mãe, amiga, dona de casa, trabalhadora e batalhadora, mas o dia dela... bem, é um dia sem homenagens, sem presentes, sem ser seu dia... Todo dia é dia de Dona Almerinda matar seu leão, fugir do assédio intelectual, físico, sexual, todos os dias ela pula fogueiras e todo dia comemora sozinha suas vitórias, sozinha com as lembranças de seu dia! A lembrança de ser contratada para serviço de manutenção da limpeza de uma empresa e ter que lavar carros, massagear pés...

Ferrenha defensora de um dia conseguirmos uma sociedade equânime, com educação freireana possível para quem desejar, com saúde humanística, com todas as possibilidades de viver uma vida saudável, tenho cá meus muxoxos para o capitalismo e seu neoliberalismo democrático que privilegia as minorias, a qual assumo que faço parte, e que zomba das maiorias, as quais, acredito, por falta de uma educação libertadora, está sempre nas mãos de quem teve acesso à ela. Um sistema político, social, ideológico, histórico, que diz: Feliz dia da Mulher! Presenteie uma mulher especial!

Quem vai presentear a também especial Dona Almerinda? Vejamos o que nos diz a história.

Mas é um dia para comemorar! Temos uma mulher no mais alto cargo de um governo de maioria masculina - nada contra os homens, coitados, nem têm seu dia! De uma sociedade ainda patriarcalista e masculinista. É uma vitória! Temos mulheres inteligentes e bonitas e talentosas aparecendo na mídia e abrindo caminhos! É uma conquista! No entanto, penso que sair às ruas vizibilizando a condição das Donas Almerindas é ainda mais importante! Isso, sim, seria uma homenagem às mulheres!

Ora, Viva o dia da mulher: de Dona Dilma, de Dona Almerinda! E que um dia, num futuro bem próximo, possamos esquecer que há um dia dedicado a homenagens às mulheres, pois todo dia é dia de comemorar a vida, a alegria de escolher uma profissão por desejo e não contingência do destino e ser respeitada na sua escolha, a alegria de podermos criar nossos filhos e filhas com amor, com apoio (do pai da criança, do governo, das escolas), com leque de escolhas, alegria de ter acesso a serviços de saúde que alie pesquisa, tecnologia e sensibilidade, alegria de saber que homens e mulheres são tão diferentes quanto iguais!

Lançando mão da máquina do tempo que é a escrita, adianto-me em dizer: FELIZ DIA DE COMEMORAÇÃO PELAS NOSSAS MARAVILHOSAS DIFERENÇAS E INCRÍVEIS SEMELHANÇAS!



[1] Nome fictício de uma mulher que foi aviltada em seu trabalho, desconsiderada em sua condição humana e de profissional no comércio de Santo Antônio de Jesus e que nesse dia 08/03/2012, recebe a solidariedade do povo dessa cidade. Uma verdadeira homenagem a todas as mulheres!