AH,
MAS TEVE AQUELA DO ASSALTO!
Essa foi épica! Digna de uma narrativa de Homero,
de Virgílio, de Dante, de Camões. Se bem que está mais para Machado de Assis em
O Alienista, ou Quincas Borba: “Ao vencedor, as batatas!”. Enfim, um dramalhão
shakespeariano!
Lá vinha eu, rua deserta, um tanto clara, um tanto
escura, à noite, sozinha, carregava em uma mão monografias à espera de um
parecer cada uma. Na outra, segurava a bolsa como quem segura o salva vidas.
Alvo fácil, diriam os mais apressados. Muito confiante para pouca munição,
diriam os sensatos.
Um caminhão fazia sombra na calçada já com pouca
iluminação. Passar pela calçada de cimento, atrás do caminhão ou passar pela
rua de paralelepípedos, deserta, inclusive de carros, ressalve-se? Para
qualquer pessoa com um mínimo de juízo: passar pela rua, ficar mais visível,
claro! Ah, vou pela calçada mesmo que é mais fácil de andar com esse salto
altíssimo do qual não abro mão em nenhuma situação (dá até samba a rimadinha).
Já quase tendo vencido o caminhão, eis que aparece
uma bicicleta que para em derrapagem a minha frente. O alvo fácil, bem ali no
cantinho escuro vai logo estendendo a mão: não venha não! Tentando engrossar a
voz o mais possível. Mas ele foi. Puxou a bolsa. Ele de lá, eu de cá. Queda de
braço ao estilo Indiana Jones, quando a antropóloga na Rússia gelada, depois de
tomar mais um copo de vodka, vence no braço o fortão cossaco. Eu não venci na
força, venci na persistência. Caímos por cima da bicicleta eu e ele. O rapaz de
lá, tentando se manter em pé parecia puxar uma arma:
- Solte ou eu atiro!
Ora, o que faria qualquer pessoa em seu juízo
perfeito em uma hora dessas? O que faria uma senhorinha nos saltos? O que faria
uma mãe de família ao pensar nas filhas? Vão-se os anéis, ficam-se os dedos!
Desajuizadamente, a criatura aqui responde ao meliante
que puxa a arma:
- Atire, pode atirar! Atire, vá!
Juízo na capa fixa do salto, vou tentando me
levantar sem largar as monografias, sem largar a bolsa, mantendo a elegância, lutando
contra a gravidade e sem atinar para a gravidade da situação. Ele negocia:
- Me dê só o celular! Resposta imediata:
- Não tem celular nenhum!
Bem, não será uma mentira se a gente analisa a
frase como eu negando a ele a entrega do aparelho. Haviam dois na bolsa, com
carregador e outras coisinhas mais.
Fico aqui imaginando a cara e os pensamentos do tal
rapaz, pois levantei-me resoluta e pus-me a caminhar na direção de meu
itinerário, sem mesmo olhar para trás, resmungando:
- Onde já se viu, querer roubar professor!
Ao chegar em casa, portão fechado, me dei conta do
ocorrido: poderia ter levado um tiro, poderia ter sido agredida, poderia estar
morta! Nasci naquele dia e espero ter mais juízo da próxima vez: vão-se os
celulares, fica a vida!